quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O BRASIL ESTÁ SE TORNANDO MUITO IMPORTANTE PARA SER IGNORADO

EM ENTREVISTA A NEGÓCIOS, DAVID SCHMITTLEIN, DIRETOR DA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DO MIT, FALA SOBRE O PAPEL DAS EMPRESAS E DOS LÍDERES BRASILEIROS NO NOVO CENÁRIO DA ECONOMIA GLOBAL

David Schmittlein, diretor do MIT Sloan School of Management (Foto: Divulgação)
DAVID SCHMITTLEIN,
DIRETOR DO MIT SLOAN SCHOOL OF MANAGEMENT
(FOTO: DIVULGAÇÃO)
O pensamento puramente lógico perdeu seu espaço no mundo. Não há mais lugar para o certo e o errado. Ao menos, em tempos de crise. Essa é a percepção de David Schmittlein, diretor da MIT Sloan School of Management, uma das mais conceituadas escolas de liderança do mundo. À frente da instituição desde 2007, Schmittlein viu a crise mudar paradigmas nas organizações norte-americanas e, consequentemente, a forma de ensino da liderança.
Para ele, os líderes e organizacões da atualidade precisam de resiliência e flexibilidade para se adaptar às constantes mudanças econômicas. “Precisamos de gente com vontade de fazer e preparadas para lidar com a verdade", diz.
Se por um lado a crise diminuiu os investimetos em inovação e tornou as empresas mais conservadoras, por outro abriu espaço para o surgimento de novas lideranças globais. Schmittlein acredita que os países emergentes e o Brasil estão diante de uma oportunidade. “O Brasil está se tornando muito importante para ser ignorado. Alguém vai substituir os países que vão perder relevância. E pode ser o Brasil”, diz.
Diante do atual cenário da economia mundial e dos eventos que o Brasil vai sediar nos próximos anos, o diretor do MIT diz que é chegada a hora do país fazer sua resolução de ano novo: descobrir um setor na economia no qual seja bom o suficiente para assumir a liderança global e projetar empresas e a marca do Brasil para o mundo. “Há pelo menos duas ou três empresas brasileiras com potencial para se tornar uma marca global. A Natura é um exemplo disso. Mas por que não temos outras cinco Naturas, que queiram falar do Brasil para o mundo?”
Em passagem pelo país no fim de novembro, Schmittlein falou a NEGÓCIOS sobre liderança, empreendedorismo e a economia global, assunto que acompanha com entusiasmo e de perto durante suas viagens anuais pelo mundo para divulgar o MIT.
O que mudou na gestão das empresas norte-americanas desde a crise de 2008? 
As empresas estão sendo muito conservadoras, não estão tomando muitos riscos para investir. Elas estão tendo muito lucro, mas estão investindo pouco em pessoas e em tecnologia. Há muita incerteza sobre a economia e sobre o governo, então a forma de manter a lucratividade é tendo muita produtividade. Como consequência, o desemprego continua alto. Há um conservadorismo principalmente por parte das instituições financeiras que ainda não estão prontas para lidar com o cenário e seguram mais dinheiro do que o necessário.
Esse conservadorismo afeta inovação?
Pelo menos o tipo de inovação que requer grandes investimentos, porque quando se trata de processos, não é necessário muito. Houve uma diminuição no investimento em produtos. Algumas empresas escolheram não lançar produtos por causa dos custos
Diante desse cenário, o MIT mudou a forma de ensino de liderança?
Eu acho que para os estudantes, o principal ponto da crise foi uma mudança de parâmetros . Hoje, a resiliência por parte das organizações e dos indivíduos que nela trabalham são uma parte fundamental da gestão. Não há mais certo e errado. O que é certo hoje, não o será mais em dois anos. No último verão percebi que temos mais alunos trabalhando em projetos de  empreendedorismo e com foco em países em desenvolvimento. Acho que uma consequência valiosa da crise é que precisamos mais das pessoas, gente com vontade de fazer e resiliência para lidar com a verdade.
Com a crise afetando também a Europa, temos mais oportunidades para o Brasil e os emergentes? 
Não há uma solução no curto prazo para a crise. Nossos filhos ainda estarão falando sobre a crise na Europa daqui a 15 anos. Não é algo que será resolvido rápido. As grandes soluções para a crise na Europa vão levar de dez a 15 anos para acontecer, porque o nível de envidamento é muito grande. Vai demorar dez anos porque a produtividade e o PIB desses países precisam ser aumentados em um nível muito alto. Como ter atividade econômica suficiente para pagar os débitos e as dívidas que você tem? Certamente vai levar muito tempo. Eu acho que todo mundo espera que as emergentes cresçam mais e de forma mais desenvolvida. O Brasil tem um desafio pela frente que é lidar com a escassez de mão de obra. O crédito ao consumidor brasileiro também está crescendo em um nível que começa a ficar preocupante, quase perigoso. Há muitos ganhos em produtividade a serem feitos, muitas oportunidades de parcerias para engenharia, tecnologia e liderança. Mas o Brasil precisa melhorar em inovação. Encontrar um setor da economia no qual seja relevante o suficiente para despertar a sua liderança globalmente. É questão de decidir onde investir e fazer uma escolha. Não adianta fazer um pouco de cada coisa.
Como as organizações e os líderes podem colaborar com isso?
Há uma corrida que tende a acontecer conforme uma economia se desenvolve. Há a sofisticação na gestão, as organizações se tornam mais complicadas. O que acontece em economias mais desenvolvidas é a preservação de capital para investir em inovação em tempos difíceis. Quanto mais investimento em inovação, mais a economia está preparada para lidar com a crise. Nas economias mais avançadas você vê os diretores protegerem suas finanças, mesmo que isso signifique cortar o lançamento de novo produtos, para não perder a capacidade de inovar.  Existe um outro ponto muito importante para a visibilidade do Brasil globalmente: as empresas usarem seus negócios para mostrar que o Brasil é legal, tornar o país uma marca. Há pelo menos duas ou três empresas brasileiras com potencial para tornarem suas marcas globais. É uma oportunidade que demanda investimento. O Itaú Unibanco experimentou um pouco disso. Mas aí entra uma questão: você quer ser uma empresa global? Vai assumir essa posição? Eu diria: por que não? Mas é preciso ser confiante para fazer isso. Ter disciplina. A Natura hoje é um exemplo disso. Mas por que o Brasil não tem outras cinco Naturas, que queiram falar e mostrar o país para o mundo?
Quando você fala sobre ter confiança, quer dizer que esse avanço tem mais a ver com marketing do que com investimento?
Sim. Com marketing e a capacidade comunicar e contar uma boa história. Ter uma boa embalagem e produtos ligados ao estilo de vida brasileiro.
As pequenas empresas também podem ocupar esse espaço?
Às vezes o papel delas é promover uma competição com as grandes empresas. Elas são um bom lugar para um graduando trabalhar, geram empregos, mas é difícil esperar um efeito macroeconômico delas.
Muitos empreendedores estão tendo sucesso no Brasil com negócios no mundo virtual, mas ainda apostam em 'copycats' (cópias) de modelos norte-americanos em vez de criar o próprio modelo. Esse comportamento é normal em se tratando de uma país que ainda está criando uma cultura empreendedora? 
Vocês deveriam ter originalidade. Eu me pergunto por que essa originalidade não existe? Creio que há basicamente duas razões. A primeira é que é muito mais fácil fazer dinheiro sem ser original. A segunda é quanto risco você pode assumir. Investir em um copycat é o mínimo de risco pela mesma quantidade de dinheiro. O que acontece é que o Brasil está se tornando muito importante para ser ignorado. No futuro, os donos desses negócios copiados virão ao Brasil trazer suas empresas. Os empreendedores que hoje copiam esses modelos terão capital suficiente para suportar isso? Existe capital de risco disponível no Brasil e essa é uma oportunidade para as empresas daqui fazerem a diferença e tornarem suas marcas globais.
Muita gente questiona quando teremos um Google surgindo no Brasil. Você acha que o país precisa mesmo ter o seu Vale do Silício?
Acho que os Estados Unidos fazem bem algumas inovações. Eu não sei se é bom para um país querer fazer a mesma inovação que outro. Se você quebrar os Estados Unidos em regiões, vai ver que a região de Boston faz a mesma pergunta que vocês. Como assim Boston não tem o seu próprio Google? E a verdade é que existem outros tipos de inovação. É muito difícil criar uma rede social de sucesso fora do Vale do Silício. Já em Boston, o forte é a tecnologia da informação, por causa do MIT. Quando você pensa no Brasil, talvez seja melhor investir nas potencialidades locais do que tentar ser como outros países.
Que conselho daria aos líderes brasileiros? 
A incerteza global é uma oportunidade. Quanto mais dinâmico o mundo, menos estável será para as empresas que estão na liderança. Alguém vai substituir os países que vão perder relevância. E pode ser o Brasil.

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