Para Matthew Pennington, é pior enfrentar estresse pós-traumático do que a perda da perna esquerda
A bomba de beira de estrada que separou o sargento Matthew Pennington de sua perna esquerda em 2006 também quebrou sua perna direita e causou danos aos seus pulmões. Ele conseguiu compreender as lesões físicas, porém, aquelas dentro de sua cabeça, não.
Nos meses depois de ter tido alta do Centro Médico Walter Reed, ele ficava facilmente frustrado e, segundo sua esposa, constantemente irritado. Suspeitando de ameaças em supermercados e shoppings, ele parou de sair de sua casa e começou a beber muito. Seu casamento estava quase no fim, quando, em uma atitude de desespero movida ao álcool, ele bateu seu carro contra um muro de tijolos, ao saindo de dentro dele tão atordoado que pensou que estava de volta ao Iraque.
"Em uma lesão física - três meses, seis meses, seja qual for o tempo - você irá se curar de suas feridas", disse. Mas lidar com o estresse pós-traumático "é mais difícil, porque as pessoas não conseguem enxergar o que está acontecendo".
Como Pennington, muitos veteranos feridos em combate estão descobrindo que suas feridas psicológicas e neurológicas estão sendo mais debilitantes do que suas feridas físicas.
Cerca de 1,7 mil oficiais militares dos Estados Unidos perderam membros no Iraque e no Afeganistão, a maioria em atentados feitos com bombas na beira da estrada que deixaram suas peles queimadas, ossos quebrados e também danificaram órgãos internos. A maioria desses soldados também voltou para casa com lesões cerebrais traumáticas e estresse pós-traumático, que em muitos casos passaram meses sem ser reconhecidos.
Embora os avanços em próteses tenham possibilitado que muitos dos oficiais que tiveram seus membros inferiores amputados recuperassem a sua mobilidade, a capacidade de recuperação de lesões cerebrais e de estresse pós-traumático crônico - ambos capazes de alterar a personalidade e prejudicar o funcionamento mental – acaba sendo algo mais difícil de se reconhecer.
"Eu acredito que o fator limitante para essas pessoas que voltam para suas vidas normais não é a de terem perdido um membro", disse o Dr. Douglas Cooper, um neuropsicólogo do Centro Médico Brooke do Exército, em San Antonio. "Os sintomas do estresse pós-traumático parecem atrapalhar na hora da recuperação."
Para Pennington, certos medicamentos pareciam piorar sua depressão e a terapia não ajudava com sua ansiedade. Parecia que ele iria acabar divorciado, sozinho e talvez até mesmo um alcoólatra. E, assim, a sua história poderia ter terminado, como um estudo de um caso sobre a intransigência das cicatrizes psicológicas da guerra. Mas ele não parou por aí.
Em 2009, uma oportunidade inesperada chegou ao seu email: um convite para fazer parte de um filme, que foi encaminhado por um amigo seu de Nashville. Um cineasta que estava prestes a se formar estava à procura de alguém para fazer o papel de um veterano de guerra que tinha perdido uma perna, tinha estresse pós-traumático e vivia no Maine.
Essa é a minha vida, pensou consigo mesmo. Então, apenas como uma brincadeira, Pennington - cuja última atuação no palco aconteceu no ensino médio e que acabou desenvolvendo um certo nervosismo diante de multidões e que evitava qualquer tipo de contato mais humano - decidiu que a resolução de sua vida dependia dele participar de uma história diante de uma câmera.
"Eu pensei que atuar seria algo tão fora do comum para mim que eu teria que lidar com certas coisas", lembrou. "Eu queria que a minha vida voltasse ao normal."
A luta de veteranos feridos como Pennington para recuperar suas vidas é o próximo capítulo a se desdobrar a respeito das guerras que os Estados Unidos travaram no Iraque e no Afeganistão. Desde 2001, 46 mil oficiais militares dos Estados Unidos foram feridos em combate, talvez um terço ou mais de uma maneira extremamente grave. Os veteranos agora enfrentam anos de reabilitação a um custo de bilhões de dólares.
Pennington, 28, cresceu no centro de Maine e Fort Worth, Texas, sempre cruzando o continente devido ao divórcio de seus pais. Ele era um garoto que amava brincar ao ar livre e se saia bem na escola, mas não conseguia manter os empregos que o ajudaram a pagar as contas depois que teve problemas com seu pai alcoólatra. Quando completou 17 anos, entrou para o Exército.
Ele acabou se apaixonando imediatamente pela vida militar. Sua primeira missão no Afeganistão, em 2002, no Airborne Corps XVIII, não foi nada demais, então ele se ofereceu para ir ao Iraque logo que voltou para casa. Ele perdeu um amigo querido durante essa turnê, mas isso não o afetou o suficiente, tanto que pediu para voltar pela terceira vez.
Nesta terceira ida ao Iraque, em 2006, ele dirigia o Humvee que liderava um comboio pela cidade de Samarra, quando uma poderosa bomba explodiu sob o motor. Pelo fogo e pela fumaça espessa, ele conseguiu manobrar o veículo para fora de perigo com a ajuda de um caminhão que vinha logo atrás. Mas quando pisou no freio, ele percebeu que seu pé esquerdo tinha sido atingido por estilhaços.
Sua reabilitação no Centro Médico Walter Reed, em Washington, foi relativamente tranquila, alimentada pelo seu ódio da cadeiras de rodas. Ele foi dispensado do Exército e retornou ao Maine em apenas um ano. E lá os seus problemas realmente começaram.
Talvez tenha sido o fato de ele ter saído do Centro Médico Walter Reed. Talvez tenha sido o fato de ele estar morando em uma cidade rural, longe de amigos do Exército. Talvez tenham sido suas batalhas com a burocracia do órgão responsável pela pensão e benefícios dos veteranos. Talvez tenham sido os medicamentos prescritos por seus médicos: narcóticos para aliviar a sua dor, antipsicóticos para controlar seu humor e remédios para dormir com o intuito de acalmar seus pesadelos.
Seja qual for a causa, ele acabou ficando cada vez mais irritado, ansioso e deprimido, resultados do transtorno de estresse pós-traumático. Depois que bateu seu carro contra o muro, ele disse à sua esposa, Marjorie: "Eu não consigo mais passar por isso."
Com a ajuda de um grupo sem fins lucrativos, o casal se mudou para Houston em 2008, onde os cuidados do centro de saúde para veteranos estavam mais de acordo com o que gostava. Os médicos de lá tiraram a maioria de seus medicamentos, começaram a tratar pela primeira vez a sua lesão cerebral e ampliaram sua terapia contra a síndrome do estresse pós-traumático. Ele sentiu que estava melhorando.
Mas em 2009, o irmão de Marjorie Pennington cometeu suicídio e o casal retornou ao Maine para ajudar a cuidar do sobrinho. Matthew Pennington caiu novamente em depressão. Ele imaginava que as pessoas em todos os lugares o julgavam por ter matado iraquianos, por ser um "veterano louco". Ele passava cada vez mais tempo sentado em frente à televisão, com medo de sair de casa.
Naquela época, Nicholas Brennan estava procurando atores para o seu projeto de formando da Universidade de Nova York, um filme sobre um veterano ferido que lutava com a transição para a vida civil.
O convite foi repassado a uma rede de contatos de email dos veteranos e acabou recebendo cerca de uma dúzia de respostas, principalmente de soldados que perderam pernas ou atores desempregados. Mas o último email a ser respondido, o de Pennington, parecia ser o mais interessante. "Eu me machuquei em 2006", Pennington escreveu, "o que acabou resultando em uma mudança na minha personalidade para pior até do que agora."
Brennan, que também era de Maine, visitou Pennington e ficou impressionado com as semelhanças entre o verdadeiro soldado e seu protagonista, um fuzileiro naval chamado Connor. Ambos haviam trabalhado em lojas de reparação de barcos, ambos gostavam de pescar, e ambos tiveram uma vida difícil na pequena cidade do Maine.
"Ficou muito claro a partir dos primeiros minutos eu o conheci", Brennan lembrou, "que ele seria um parceiro ideal neste projeto".
Inicialmente, Pennington simplesmente esperava que a atuação seria uma maneira de tirá-lo de sua zona de conforto. Mas conforme entrava mais e mais no papel, ele percebeu que não apenas começava a se identificar com Connor, mas também começou a perceber certas coisas sobre sua síndrome.
Na cena final do filme de 15 minutos, intitulado "Manual de Pesca de um Fuzileiro Naval", Connor se senta em um cais durante o pôr do sol, a prótese de sua perna ao seu lado, após ter sofrido um violento flashback diante de seus colegas de trabalho. Seu chefe, um veterano do Vietnã, o aconselha a ter calma, mas o deixa com um aviso gentil: "Se você ficar aqui por muito tempo, você nunca mais irá voltar a ser o mesmo."
"Isso soou como um bom conselho para mim", Pennington disse em seu sotaque texano. "Eu pensei: 'bem, isso é exatamente o que eu estou fazendo'."
Quando o filme ficou pronto, Brennan e Pennington o mostraram publicamente pela primeira vez em Portland, Maine. Pennington disse que ficou aterrorizado em falar diante de uma plateia, mas após o término do filme as pessoas vieram até ele à procura de conselhos para parentes que também lutavam com a síndrome. A possibilidade de poder ajudá-los foi profundamente satisfatória.
Os dois homens decidiram criar um site para distribuir o filme e oferecer seus serviços como porta-vozes. Eles fizeram cerca de uma dúzia de mostras, incluindo uma no Centro de Saúde dos Veteranos, em Augusta, na Geórgia, onde Pennington recebe seus cuidados e tem, às vezes, entrado em confronto com os burocratas e os médicos locais.
Para Pennington, os compromissos públicos têm sido uma forma de terapia de exposição, forçando-o a articular as más lembranças e sentimentos enterrados que ele anteriormente evitava. A experiência tem também o motivado a voltar a fazer terapia, fazendo-o perceber, ele disse, que "essa síndrome está realmente acabando com o que há de melhor em mim."
Especialistas dizem que falar em público sozinho não é uma solução para os sintomas da síndrome de estresse pós-traumático. Mas pode ser terapêutico, ajudando a articular as suas emoções e a dar um certo sentido para suas experiências.
"Ela oferece às pessoas um certo tipo de autoridade a respeito do que aconteceu com elas", disse o Dr. Matthew J. Friedman, diretor para a doença no Centro Nacional de Assuntos Veteranos em New Hampshire.
Recentemente, os Penningtons, que vivem com seus cinco cachorros em um bangalô em uma colina gramada com vista para Dexter, renovaram seus votos de casamento. Ele passa seus dias fumando um cigarro Marlboro, andando de bicicleta para se exercitar e lê muitos livros sobre atuação. Ele está pensando em participar de um grupo de teatro local para fazer peças como um convidado regular em uma estação de rádio do autor Stephen King.
Ele ainda acorda todas as manhãs e não gosta de sua perna de fibra de carbono, que lhe causa cistos sob a pele. Mas é uma parte dele agora. Seu relacionamento com a síndrome de estresse pós-traumático é um pouco mais complicado.
Ele está aprendendo a falar sobre suas memórias mais sombrias da guerra, incluindo o evento no qual ele quase matou uma família iraquiana que dirigiu sem parar por um posto de verificação. A família saiu viva só porque a sua arma travou, e o evento o tem perseguido desde então.
Ele também está aprendendo a falar sobre a matança. Não tem sido fácil, segundo ele, porque ainda sente vergonha quando conhecidos alegremente perguntam quantos iraquiano ele matou. Sua solução é dar uma resposta sem muita explicação: 18. Mas a melhor coisa é que ele tornou-se mais confiante em oferecer conselhos a outros veteranos.
Durante uma viagem recente para um checkup, Pennington foi abordado por um velho veterano que empurrava a si mesmo em um pequeno carrinho. Um ex-oficial de um submarino com uma barba branca e espessa, o homem tinha diabetes, e os médicos queriam remover uma de suas pernas. Ele perguntou ansiosamente sobre o que estava por vir.
Então, ao se balançar graciosamente em sua perna boa, Pennington tirou a prótese e descreveu os vários aborrecimentos que a prótese de silicone podem causar. Então ele colocou-a novamente e sorriu.
"Não é tão ruim assim. Se esse fosse o meu único problema, eu estaria muito bem."
Por James Dao
Fonte: http://www.defesanet.com.br
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