Há exatos 100 anos, teve início um conflito militar global sem precedentes, com um nível de destruição e mortandade desconhecido até então. A declaração de guerra do Império Austro-Húngaro à Sérvia, por suposta colaboração do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono, deflagrou um dos conflitos mais sangrentos e dramáticos da história: a I Guerra Mundial. O embate transformou o mundo e acelerou, por efeitos inesperados, o processo de modernização e profissionalização das Forças Armadas do Brasil.
Antes mesmo de a “Grande Guerra” eclodir, o Brasil já estava atento às inovações que surgiam nos países europeus, buscando formas de expandir seus meios de defesa para assegurar a soberania nacional. Prova disso foi o envio de turmas de oficiais brasileiros à Alemanha, em meados de 1910 (quatro anos antes da Guerra), para ações de treinamento e intercâmbio militar.
Após o início do conflito, o Brasil foi o único país da América do Sul a ingressar na guerra, em 1917, o que impulsionou o protagonismo internacional brasileiro e rendeu ao país participação de grande relevância nas tratativas que levaram à criação da Liga das Nações – instância que, anos depois, daria lugar à Organização das Nações Unidas (ONU).
Primeira Guerra
“A história do Exército começou a mudar com na virada do século XX, quando começamos a mandar oficiais para fazerem cursos na Alemanha. Foi um resultado muito interessante para a organização, especialmente na formação”, afirma o diretor de Patrimônio Histórico do Exército, general Marcio Roland Heise.
Missão Francesa
O Brasil contratou uma Missão Militar Francesa, o que permitiu a modernização das Forças e a incorporação da aviação militar na Marinha e no Exército. No período, começaram a ser utilizados no país os veículos blindados. Ocorreu também a reformulação do ensino do Exército, além da introdução do emprego de armas químicas, entre outros avanços.
“A missão francesa nos auxiliou nessa modernização. Com ela, fomos alçados à condição de um Exército moderno e mais profissional”, explica o general Heise.
Apesar de sua postura não beligerante e neutra em relação à I Guerra, o governo brasileiro se viu sem opções quando, no fim de 1917, navios brasileiros sofreram ataques de submarinos das forças alemãs sob a alegação de que as embarcações nacionais navegavam em áreas restritas. Após o afundamento de três navios mercantes, sendo o último deles o vapor Macau, que transportava café para a França, o então presidente do Brasil, Wenceslau Brás, decidiu decretar estado de guerra, no qual o país entrava como aliado da Tríplice Entente (França, Reino Unido, Rússia).
“O Brasil já vinha reforçando o interesse em modernizar suas Forças. Depois de ter sido envolvido na guerra, cresceu a necessidade de o país ter uma capacidade robusta de autodefesa e de proteção para dissuadir ameaças”, avalia o professor de Relações Internacionais, Antônio Ramalho, diretor do Instituto Pandiá Calógeras – órgão ligado ao Ministério da Defesa. Segundo informações da Academia Brasileira de História Militar (AHIMTB), no período da I Guerra, o Exército Brasileiro criou a Comissão de Estudos de Operações e de Aquisição de Material na França, que, sob a chefia do general Napoleão Felipe Aché, buscava absorver a maior quantidade de conhecimentos da Doutrina Militar Francesa e adquirir o material necessário à sua implantação no Brasil. Além disso, foram enviados soldados da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG) que iriam se juntar aos aliados na África. Infelizmente, no caminho, o grupo foi atingido pela gripe espanhola e quase todos morreram antes de chegar ao destino final.
O Brasil também teve participação na I Guerra com o envio de uma Missão Médica do Exército à França, chefiada por Nabuco de Gouveia. Essa missão montou um hospital e organizou o atendimento a centenas de feridos aliados. Quando acabou a guerra, o hospital foi doado pelo Brasil à França e até hoje pode ser visto no 15e arrondissement em Paris, onde funciona com o nome de “Hospital Vaugirard”. O local, apesar disso, ainda exibe a antiga placa de bronze nome “Hôpital Brésilien” (Hospital Brasileiro).
De acordo com o presidente da AHIMTB, coronel Cláudio Moreira Bento, o tenente José Pessoa, que foi para a França lutar com os aliados e chegou a comandar um esquadrão de soldados turcos, foi o grande destaque do Brasil na I Guerra. “Era um homem empreendedor, além do excelente trabalho como combatente, trouxe novos conhecimentos ao Brasil, tendo sido o idealizador da AMAN”, explica o coronel lembrando ainda que, na época, José Pessoa recebeu inúmeros elogios de seus comandantes franceses.
A Grande Guerra
Em 28 de julho de 1914, o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, por suspeitar do envolvimento do governo eslavo no assassinato do herdeiro do trono, arquiduque Francisco Ferdinando. Era o início do maior conflito visto até então pela humanidade. Na época, o mundo vivia uma aparente situação de paz, mas a política de alianças secretas entre as principais potências europeias no final do século XIX levou a uma corrida armamentista.
“As alianças contraditórias entre os países europeus eram insustentáveis e acabaram culminando nessa guerra que todos acharam que seria uma guerra curta, mas acabou se tornando uma das mais dramáticas da historia mundial”, avalia Antônio Ramalho. Além disso, a Alemanha e a Itália queriam expandir sua zona de influência para ter maior acesso a matérias-primas e mercados, enquanto eslavos e árabes lutavam para sair do jugo dos Impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano, respectivamente. Por essa razão, para muitos historiadores, o assassinato de Francisco Ferdinando foi apenas um pretexto para o início do conflito.
A guerra, inicialmente concentrada na Europa, acabou envolvendo o mundo inteiro, já que a intolerância geral imperava e forçava os países neutros a assumiram uma posição contra ou a favor da Alemanha. O conflito se deu, sobretudo, em trincheiras, nas quais os soldados, em condições insalubres, chegavam a ficar meses de prontidão. “Inicialmente, a expectativa era de ser uma guerra curta, especialmente por causa da expansão das inovações tecnológicas no mundo, como carros blindado, submarinos, aviões sendo usados como equipamento militar e armas químicas. Mas, o que se viu foi uma guerra longa e sofrida, especialmente no período das trincheiras”, diz o professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Thiago Tremonte.
“A guerra de trincheiras é o que mais marca esse tenebroso confronto. Além das condições absurdas em que os soldados ficavam ali, o espaço que separava os dois inimigos era terra de ninguém: o inimigo poderia estar a poucos metros de distância sem ser visto, o que gerava uma sensação de pavor constante”, conclui o historiador da UnB.
FONTE: Assessoria de Comunicação do MD/forte.jor
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