O Brasil comanda a missão da ONU no Haiti para estabilização daquele país, desde 2004. Recentemente, o Uruguai anunciou que deve retirar unilateralmente as suas forças de lá. Qual a sua avaliação desse anúncio do Uruguai?
Não tenho certeza se ele disse “unilateralmente”. Tanto que houve preocupação do presidente [Jose] Mujica de conversar com a presidenta Dilma sobre esse assunto. O que eles podem estar é sob mais ou menos pressão… Mas, na realidade, a nossa disposição também não é nos eternizarmos no Haiti. Aliás, foi a primeira coisa que eu disse quando cheguei como ministro da Defesa quando me fizeram essa pergunta.
Agora, também não podemos sair de uma maneira irresponsável. Nós fizemos um investimento grande, humano, político. Perdemos soldados lá, até no terremoto. Agora, estamos fazendo uma retirada num ritmo bastante razoável. Porque o Brasil tinha originalmente 1.200 homens. Esse número subiu para 2.300 mais ou menos depois do terremoto. E já diminuímos cerca de 700 nos últimos dois anos e meio.
Não é uma redução insignificativa. É uma redução importante. E a ideia é de que nós possamos… Eu não gosto muito de fixar prazo porque a gente nunca sabe o que pode acontecer…
Mas o que é desejável?
O que é desejável é que depois da próxima eleição, que deve ocorrer em 2, 3 anos, a gente esteja preparado para sair. E que o Haiti tenha a sua polícia nacional formada.
Agora, eu acho que essa pressão é muito importante. Até o que o presidente Mujica falou, a maneira como ele falou. E a maneira como nós falamos também. Despertou antes já grande inquietação. Veio a ONU nos procurar. Outros nos procuraram. Porque não pode é se criar uma situação de conforto para, seja para o governo haitiano, seja para a comunidade internacional. Porque dizem “ah, o problema do Haiti está resolvido porque estão lá os brasileiros, os sul-americanos. Nós não temos que nos preocupar”. Não! Tem que se preocupar, sim. E tem que se preocupar com o desenvolvimento do Haiti.
Eu acho um escândalo –um escândalo!–, que o Brasil tenha posto 40 milhões de dólares, no governo ainda do presidente Lula, num fundo destinado a construir uma barragem, sem o objetivo de ganhar nada. Porque é um projeto estruturante para o Haiti. Porque permitiria inclusive diminuir umas das principais fontes de despesa do orçamento haitiano, que é energia, combustível, petróleo. A gente pôs 40 milhões de dólares na esperança que outros pusessem outros 40, outros 50, para fazer uma barragem que deve custar cerca de US$ 200 milhões. E os outros não puseram. Até hoje estamos tentando estudar como fazer, mas eu fico muito impressionado, eu não quero citar nomes de países, mas países próximos, que sempre tiveram muito interesse no Haiti, que têm grande imigração haitiana, não tenham feito contribuição semelhante.
A comunidade internacional tem um certo comodismo. Então, esses anúncios, e essa ameaça aí, digamos, se é que podemos chamar assim, do Uruguai, tem um efeito positivo. Tem que ter. As pessoas têm que pensar: elas têm que investir no Haiti, no desenvolvimento do Haiti. Se não a gente sai e daqui a 10 anos está lá de novo. É isso que a gente quer evitar.
Mas o Uruguai, pelo que o presidente Mujica falou com a presidente Dilma, vai sair antes do prazo?
Eu acho que ele vai se orientar um pouco. Não posso ser definitivo nisso. Não participei dessa conversa, mas acho que ele vai se orientar junto com o Brasil. Acho. E também não está dizendo que vai tirar de uma vez. Mas está dizendo: “Olha lá, nós não vamos ficar para sempre”.
E nós também não.
Ou seja, o risco de o Uruguai retirar as tropas já, de maneira unilateral, é pequeno no momento?
Não falo em nome do Uruguai. Mas de qualquer maneira eu acho que é muito importante haver uma…
Conversei sobre esse assunto também outro dia com meu colega argentino. Acho muito importante uma coordenação da Unasul, porque afinal das contas os países sul-americanos são os principais fornecedores de tropas. E eles devem orientar a decisão final da ONU.
Seria um baque grande se o Uruguai saísse de uma vez…
Acho que nós estamos conversando.
E a expectativa, como o sr. disse, é esperar a eleição no Haiti, que ocorre em cerca de 3 anos, e ter como meta esse prazo para retirada?
E daqui até lá termos demonstrações… É um país complicado. Nós não estamos lidando com um país que estava todo estruturadinho, certinho, em que houve um golpe de Estado e tem que voltar ao que era antes.
Não. É um país que historicamente é muito complicado. Então nós estamos lidando com uma situação que vai ter que avançar, mas isso não é uma avaliação que só eu que vou ter que fazer. Principalmente, obviamente vai ser a presidenta, mas assessorada pelo ministro do Exterior, que pelo que eu entendo tem uma viagem programada também ao Haiti, não sei exatamente quando. Queremos ter demonstrações de que estamos caminhando num sentido efetivamente democrático. Isso envolve a relação do Executivo com o Legislativo. Envolve vários outros aspectos. Não seremos uma guarda pretoriana de nenhum presidente haitiano.
FONTE: forte.jor / FOTOS: Folha de São Paulo
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