sábado, 29 de julho de 2017

Saída da crise deve vir da eleição de 2018, diz comandante do Exército


O general Villas Bôas às vésperas da Olimpíada Rio-16 (Tômas Silva - Agência Brasil)
FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirma que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos brasileiros", que poderão, "nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido".
Voz moderada em meio à cacofonia histérica de extremos ideológicos que marca a crise, na qual volta e meia grupelhos clamam por intervenção militar, Villas Bôas diz que "o Brasil e suas instituições evoluíram e desenvolveram um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a tutela por parte das Forças Armadas" e reitera que a Constituição deve prevalecer: "Todos devem tê-la como farol a ser seguido".
A entrevista foi feita via e-mail, por opção da assessoria do Exército, e as perguntas foram enviadas no dia 4 de julho, sendo respondidas 23 dias depois, na quinta (27).

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Folha - Pesquisa Datafolha recente mostrou que as Forças Armadas são a instituição do país em que a população mais confia hoje, enquanto a Presidência, o Congresso e os partidos são as instituições menos confiáveis. Como interpreta esses dados?
Eduardo Villas Bôas - Esses números nos impõem uma imensa responsabilidade. As Forças Armadas, que constituem um corte vertical da sociedade e possuem representantes de todo o espectro social, são reconhecidas por serem uma reserva de valores, como integridade, ética, honestidade, patriotismo e desprendimento.
Elas sempre estiveram presentes em momentos importantes da história de nossa nação. Algumas vezes, com o Braço Forte e, inúmeras vezes, com a Mão Amiga. Por conseguinte, essa confiança configura um capital intangível que nos é muito caro. Demonstra que a maioria esmagadora da população nos observa atentamente e nos avalia.
Pela primeira vez na história, um presidente foi denunciado por corrupção no exercício do mandato. 

Como acompanha essa crise? Acha que o presidente Temer tem condições éticas de permanecer no cargo?
Vivemos um período de ineditismos. Mas o fato de seguirmos batalhando, em nosso dia a dia, demonstra que as nossas instituições ainda estão funcionando, mesmo com a crise pela qual elas e o país vêm passando. Cabe-lhes atuar no limite de suas atribuições, sempre com o sentido de se fortalecerem mutuamente. Neste momento, o que deve prevalecer é a Constituição Federal e todos, repito, todos devem tê-la como farol a ser seguido.

Há quem compare a crise atual com aquela vivida em 1964. É possível fazer essa analogia?
Comparações podem ser feitas, mas o Brasil é, hoje, um país muito mais complexo e sofisticado. Naquela época, havia uma situação de confronto característica da Guerra Fria, com a ação de ideologias externas, que fomentaram ameaças à hierarquia e à disciplina nas Forças Armadas, aspectos que não estão presentes nos dias atuais.
O Brasil e suas instituições evoluíram e desenvolveram um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a tutela por parte das Forças Armadas. Hoje, elas estão cientes de suas missões e capacidades e mantêm-se fiéis aos ditames constitucionais.
É chegada a hora de consentir que o período que engloba 1964 é história e assim deve ser percebido.

Em manifestações recentes, o sr. fez uma defesa enfática da Lava Jato. Como analisa os movimentos que vão na contramão da faxina ética pretendida pela operação (julgamento no TSE, liberação de Rocha Loures, devolução do mandato de Aécio etc.)?
As instituições estão trabalhando e buscando resolver essa crise, que está atingindo nosso cerne e relativizando nossos valores.
Tenho afirmado que, além da crise política, vivemos um momento em que faltam fundamentos éticos e no qual o "politicamente correto", por vezes mal interpretado, prejudica nossa evolução. Falta-nos uma identidade e um projeto estratégico de país. País com letra maiúscula. Por isso, costumo dizer que estamos à deriva.
No entanto, considero essa crise uma oportunidade, que poderá auxiliar a nação a se sanear, sem influências ideológicas ou políticas.
A Lava Jato simboliza a esperança de que se produza no país uma mudança fundamental, em que a ética seja nossa parceira cotidiana e a sensação de impunidade, coisa do passado.

Como o Exército se posiciona sobre a candidatura de Bolsonaro, um militar da reserva, à Presidência? E como vê o uso que ele faz da condição de militar na campanha (disse, por exemplo, que, como capitão, sua especialidade era "matar")?
Todo cidadão tem o direito de ser candidato a qualquer cargo eletivo. É natural que o deputado Jair Bolsonaro use seu currículo e sua história pessoal, como ex-integrante do Exército, em sua campanha. Como integrante da reserva, ele sempre terá o nosso reconhecimento e o nosso respeito.
No entanto, e em última análise, é a população quem vai julgar os partidos e os candidatos, por intermédio do voto, devendo, para tanto, conhecer muito bem os projetos e ideias de cada um deles.
Destaco que o Exército, como instituição permanente, serve ao Estado e não a pessoas, estando acima de interesses partidários e de anseios pessoais.

A dimensão da crise favorece o surgimento de candidatos populistas e aventureiros. Como vê essa possibilidade e como analisa o quadro eleitoral para 2018?
Acho que a falta de um projeto nacional tem impedido que a sociedade convirja para objetivos comuns. Isso inclui, até mesmo, a necessidade de referências claras de liderança política que nos levem a bom porto.
Talvez seja um reflexo de os brasileiros terem permitido, no passado, que a linha de confrontação da guerra fria dividisse nossa sociedade.
É preciso que a crise que estamos vivendo provoque uma mudança no debate político para 2018. É necessário discutir questões que possibilitem preparar um projeto de nação, decidir que país se quer ter e aonde se pretende chegar. Está difícil de identificar, no Brasil de hoje, uma base de pensamento com capacidade de interpretar o mundo atual, de elaborar diagnósticos estratégicos apropriados e de apontar direções e metas para o futuro.
Está nas mãos dos cidadãos brasileiros a oportunidade de, nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido.

O sr. é um crítico do uso das Forças Armadas em funções de polícia. O que achou de o presidente Temer ter assinado um decreto convocando as Forças Armadas para coibir um protesto que descambou para a violência em Brasília? Essa tarefa não seria da polícia?
O Exército brasileiro é uma instituição que tem suas missões reguladas na Constituição, mais precisamente no artigo 142. Nele, observam-se três tarefas claras: a defesa da Pátria; a garantia dos poderes constitucionais; e a garantia da lei e da ordem.
O emprego das Forças Armadas nas manifestações que ocorreram na Esplanada dos Ministérios se deu em uma situação de emergência e teve caráter preventivo. Havia um sério risco de o patrimônio público ser dilapidado. A integridade física das pessoas também estava em perigo.
Não é possível aceitar que vândalos infiltrados nas manifestações permaneçam sem identificação e fiquem impunes. A ação dessas pessoas deslegitima qualquer manifestação e agride a democracia.

O sr. tem reiterado que "não há atalhos fora da Constituição" e demonstrado ser um defensor intransigente da democracia. Como analisa e a que atribui as manifestações no país por intervenção militar?
As manifestações demonstram um cansaço da população com os escândalos que temos visto. Elas refletem a materialização do capital de confiança apresentado nas pesquisas. Uma instituição que detenha 83% de confiabilidade é uma exceção em um ambiente degradado.
Porém, como tenho dito, vemos tudo isso com tranquilidade, pois o Exército brasileiro atua no estrito cumprimento das leis vigentes e sempre com base na legalidade, estabilidade e legitimidade.

Numa postagem recente em uma rede social, o sr. exaltou o marechal Castello Branco, um dos artífices do golpe militar de 1964. Que mensagem quis passar ao dizer que Castello Branco é "um exemplo de líder militar a ser seguido"?
Herói da campanha da Itália, ele já seria um exemplo por ter participado da Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, em 1964, o Marechal Castello Branco foi o líder que civis e militares encontraram para dirigir os rumos da nação naqueles momentos conturbados e que, hoje, devem ser compreendidos dentro do contexto vivido à época.
Com sua visão de estadista, foi o responsável por alterações na legislação, que afastaram os militares da política partidária e que norteiam, até hoje, a permanência das Forças Armadas em seus quartéis, no estrito cumprimento do dever constitucional.

As Forças Armadas brasileiras não reconhecerão os erros e atrocidades que cometeram durante a ditadura?
A lei da anistia, compreendida como um pacto social, proporcionou as condições políticas para que as divergências ideológicas pudessem ser pacificadas. Ela colocou um ponto final naquela fase da história. Precisamos olhar para o futuro, atendendo ao espírito de conciliação.

O sr. costuma ressaltar a gravidade do quadro da segurança pública no País, com número de mortes equivalente ao de guerras. Como resolver ou pelo menos minimizar esse problema?
Esse problema exige uma resposta que envolva distintos atores da sociedade. Mas a solução deve, necessariamente, passar pela valorização e capacitação das forças de segurança pública. Passa, igualmente, pelo efetivo combate ao tráfico de armas e de drogas, hoje, grandes indutores da violência nos principais centros.
Da mesma maneira, o princípio da autoridade deve ser fortalecido e o sentido da disciplina social e do coletivo nacional -sem luta de classes- deve ser recuperado. Existe no Brasil uma excessiva compreensão com direitos e uma enorme negligência com deveres.
Há, também, excesso de diagnóstico e pouca ação efetiva e prática. Imaginar-se que apenas a vertente policial poderá resolver essas questões é ledo engano.
As ações de segurança pública devem, sim, estabelecer metas e prioridades. Exigem cooperação entre atores públicos e privados e deve ter, por ferramentas, programas sociais e serviços públicos, que fogem à esfera da Segurança Pública, adequados à região e à população.

Como está a negociação para alterar a Previdência dos militares? Estão definidos a idade mínima, o tempo de contribuição e o teto? O que o sr. defende? E há alguma perspectiva em relação ao reajuste salarial dos militares?
Os integrantes das Forças Armadas não têm sistema previdenciário, como, aliás, já descreve a Constituição. O que temos é proteção social, de acordo com as peculiaridades da profissão militar, já bem compreendidas por alguns setores da sociedade.
O Ministério da Defesa está coordenando os trabalhos de um grupo técnico com militares das três Forças Armadas, para propor medidas mais amplas nas áreas da reestruturação da carreira militar, da redução da defasagem remuneratória e da adequação de regras ao sistema de proteção social. São mudanças que terão consequências e reflexos mais duradouros no futuro.
Aliás, o próprio presidente da República, no final do ano passado, reconheceu a enorme defasagem salarial dos militares das Forças Armadas em comparação com as outras carreiras de Estado.
Recentemente, nas audiências em que participei nas comissões da Câmara e do Senado, também os parlamentares ficaram surpresos com essa discrepância.
Os objetivos estão traçados para o longo prazo e vão muito além da mera redução de despesas para a União. Eles visam à manutenção da atratividade da carreira militar e à atração e retenção de profissionais vocacionados, motivados, capacitados e com valores éticos e morais condizentes com a profissão que detém o poder de uso da violência institucional em nome do Estado.
Quero deixar claro, no entanto, que os militares não se furtarão a contribuir com a reforma. Estão dispostos a dar sua cota de sacrifício, comportamento que já tomamos inúmeras vezes no passado.

Qual a principal função das Forças Armadas, do Exército em particular, no Brasil de 2017?
Essa resposta é atemporal. Arguimos os nossos interlocutores sobre a importância das Forças Armadas em países com as nossas dimensões e potencialidades. Não raras vezes, nos surpreendemos com respostas superficiais, quando não, completamente distorcidas.

Quem leva o Estado Brasileiro às longínquas fronteiras, contribuindo para a presença nacional? As Forças Armadas!
Quem respalda decisões do Estado brasileiro perante outros Estados, impondo a nossa vontade por meio da dissuasão? As Forças Armadas!
Qual país verdadeiramente relevante do ponto de vista geopolítico descarta suas Forças Armadas? Nenhum!
Se você possuísse bens extremamente valiosos, estaria disposto a pagar para mantê-los? Estou seguro de que sim.
Desse bem a nossa sociedade já dispõe, mas não se apercebeu do quão importante é protegê-lo. Esse bem é a nossa liberdade.
Assim, é mister discutir mais sobre nossas Forças Armadas, para que, ao conhecê-las, saibamos valorizá-las e respeitá-las.

O sr. tem uma doença degenerativa, sobre a qual já se manifestou com transparência publicamente. Como está sua saúde hoje? De que modo a doença tem limitado sua atuação? Até quando o senhor tem forças para ficar no posto?
Conforme comentei em outras ocasiões, fui acometido por uma doença degenerativa que atingiu alguns grupos musculares, restringindo minha capacidade de locomoção.
Sinto falta de viajar, de percorrer as nossas unidades, de estar junto com a tropa. Busco vencer os desafios dia a dia e sigo no tratamento. Tenho um objetivo maior de servir à pátria e continuo a persegui-lo.

O general Sérgio Etchegoyen, de quem o sr. é conterrâneo e amigo, ganhou força no governo, e há quem comente que poderia substitui-lo. Existem articulações nesse sentido? Como vê a possibilidade? Como é a relação entre vocês?
A substituição dos comandantes de força é atribuição exclusiva do presidente da República. Quanto ao general Etchegoyen, ele é meu amigo pessoal, há mais de 50 anos, como você mesmo destacou. Trabalhamos juntos em várias oportunidades e, além da amizade, fortalecida a cada dia, mantemos agradável convivência familiar.

FONTE > Folha de São Paulo/montedo.com

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