Ana Lúcia de Oliveira, Beatriz Helena Ferreira e Carla Beatriz de Souza receberam, em Brasília, condecoração inédita da corporação.
'Abrimos portas', diz primeira militar do Exército a engravidar.
Letícia Carvalho, G1 DF
Há 25 anos, um grupo de 54 mulheres ingressou no primeiro concurso do Exército Brasileiro que abriu portas ao público feminino. Dessas, três se destacaram e, mesmo em um universo predominantemente masculino, conseguiram trilhar um caminho firme na hierarquia militar.
Hoje, de forma inédita, estão no posto de coronel lutando exatamente como mulheres: com garra e dedicação. Durante esse período, elas ainda foram além. Engravidaram e lidaram com todos os percalços de uma gestação dentro dos batalhões. Sobre ser mãe e militar, as três afirmam sem pestanejar: “Somos mais rígidas, ‘duronas’ em casa”.
Ana Lúcia de Oliveira, de 48 anos, Beatriz Helena Ferreira, de 49, e Carla Beatriz de Souza, de 51, chegaram à patente que nenhuma brasileira havia alcançado dentro do Exército. Carla Beatriz também atingiu outra colocação inédita: foi a primeira mulher grávida da história da corporação. Em 30 de abril, as três receberam as condecorações e, na plateia de Brasília, os aplausos mais calorosos foram dos filhos.
“Como mulher, tive algumas obrigações extras. Nós temos um zelo adicional com os nossos filhos. Mas entrei no Exército sabendo que seria um trabalho de dedicação exclusiva. Essa promoção veio como um reconhecimento do nosso empenho e da nossa força”, apontou Carla Beatriz.
“Desde pequeno, meu filho frequentava os quartéis. A família se adapta e o resto a gente conserta na ponte aérea”, completou Ana Lúcia.
Por causa da carreira, os militares costumam ser enviados para diferentes estados. De acordo com Exército Brasileiro, cerca de 10 mil mulheres compõem o quadro da instituição. O número de homens é bem maior – são aproximadamente 210 mil militares.
O Exército começou a aceitar mulheres em 1992, para compor o Quadro Complementar de Oficiais (QCO). Elas se formavam no ensino convencional em áreas como administração, comunicação e saúde, e depois eram integradas à corporação – mas não podiam chegar aos postos mais altos.
Somente neste ano, a instituição abriu processo seletivo para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Pela primeira vez em 76 anos, a academia, que forma aspirantes para a linha bélica, terá uma turma feminina.
Feminismo reservado
Pioneiras, Ana Lúcia, Beatriz Helena e Carla Beatriz viveram situações que, dificilmente, outras mulheres precisarão encarar na carreira. No primeiro ano de ingresso no Exército, elas lembram que encontravam dificuldades para achar banheiros femininos na Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEx), em Salvador – local onde os alunos concluem sua formação.
“A gente precisou se adaptar, mas também abrimos muitas portas”, resumiu Beatriz Helena. Durante a entrevista, as três preferiram não aprofundar o debate sobre as dificuldades enfrentadas na trajetória dentro dos quarteis cheios de testosterona. Por meio de um toque discreto na perna da outra, o assunto foi encerrado e a conversa seguiu conforme a rigidez que o regimento militar impõe.
Antes de exibirem o uniforme e os coturnos, as coronéis ostentavam graduações que traçaram um pouco de suas histórias no Exército. A carioca Ana Lúcia formou-se em estatística. Carla Beatriz, conterrânea de Ana Lúcia, aproveitou a paixão pela língua portuguesa e conseguiu o diploma em letras. E a paixão por cavalos da curitibana Beatriz Helena lhe rendeu o canudo de veterinária.
Ainda que tenham desempenhado funções administrativas no Exército, elas conseguiram exercer dentro da instituição um pouco daquilo que estudaram na faculdade. Nos primeiros anos, Ana Lúcia – a única delas que sempre sonhou em ser militar – trabalhou em um departamento responsável por realizar pesquisas.
Beatriz Helena, durante todo esse tempo de militarismo, cuidou da alimentação da corporação. Segundo ela, em seu curso de veterinária, chegou a ter disciplina sobre o assunto. Carla Beatriz foi professora de português e inglês, especializou-se e virou tradutora e intérprete, o que lhe rendeu o cargo de chefe da seção de intérprete no Haiti por sete meses.
Em 2004, o Brasil recebeu o convite para liderar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). À época, o Haiti vivia uma realidade marcada pela violência entre gangues rivais e pelo alto nível de instabilidade política.
Atualmente, todas fazem um trabalho de assessoria, coordenam atividades ou chefiam departamentos. “A nossa mochila vai pesando conforme os anos vão passando”, disse Ana Lúcia.
Durante este ano, outras mulheres que ingressaram ao lado de Ana Lúcia, Beatriz Helena e Carla Beatriz no Exército também vão receber a promoção a coronel da instituição.
Fonte > G1/montedo.com
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