Complexo da Maré terá um militar para cada 55 moradores
Índice é sete vezes maior que a média do estado, de 369 habitantes por policial
Christina Nascimento , Felipe Freire , Herculano Barreto Filho e Vania Cunha
Rio - O pedido de socorro do estado ao governo federal para enfrentar os criminosos responsáveis pelos ataques em série a bases de UPPs acabou resolvendo outro entrave na segurança pública: a pacificação da Maré, que se arrastava há três anos. O governador Sérgio Cabral confirmou ontem que o Exército vai ocupar o conjunto de favelas no caminho do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão).
O complexo de 130 mil habitantes terá, a partir do dia 5, um militar para proteger cada grupo de 55 moradores. O número corresponde a 2.400 agentes, sendo dois mil do Exército e 400 do Batalhão de Campanha da Polícia Militar. No estado, a proporção é de um PM para 369 habitantes.
A decisão de ocupar a Maré foi tomada após reunião com o chefe do Estado- Maior das Forças Armadas, general José Carlos de Nardi, e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Segundo o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a medida não tem relação com os recentes ataques às UPPs.
Um dos obstáculos para a pacificação, segundo fontes da PM, era a falta de efetivo. Para evitar novos ataques, as áreas de UPPs foram reforçadas pela própria PM, mas a solução definitiva não foi anunciada.
“A resposta é o avanço do processo de pacificação. Não há relação com os ataques. Isso já estava programado. E se eles (traficantes) resistirem, vamos continuar avançando. Não há ligação com a Copa, pois a Copa vai embora e a Maré continua”, disse Beltrame. No segundo semestre, a Maré também ganhará a sua UPP, como anunciou o ministro Cardozo.
A ocupação será realizada em duas fases. A primeira, neste domingo, terá agentes dos batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Choque, do 22º BPM (Maré) e da Polícia Rodoviária Federal. A ação contará com blindados da Marinha, o que depende do Ministério da Defesa. Inicialmente, haverá uma varredura para preparar o terreno para o Exército. Nesta fase, a PM vai fazer incursões e revistas para prender criminosos e apreender armas e drogas. Também serão cumpridos os mandados de prisão expedidos para criminosos da região. A PM realizará ainda operações em outros pontos do estado, para evitar a fuga de bandidos.
Pelo planejamento decidido em reunião ontem no Comando Militar do Leste, as tropas do Exército devem entrar no complexo uma semana depois, em 5 ou 6 de abril. Os militares serão divididos em quatro batalhões, mas a localização das bases não foi definida. Eles virão de batalhões de Infantaria e Paraquedista. O comando da ação não definiu se a tropa virá de fora do estado.
A PM vai formar um Batalhão de Campanha para auxiliar a tropa verde-oliva no reconhecimento de área e com informações da inteligência. O efetivo da PM será remanejado de diversas unidades para atuar na Maré. No entanto, como o Exército atuará com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), toda e qualquer ação de outras forças terá que ser autorizada ou acompanhada pela força militar.
GLO: opção quando todos os recursos se esgotam
Para que as Forças Armadas ocupem a Maré é necessário, primeiramente, que a presidenta Dilma Rousseff autorize o ato numa publicação no Diário Oficial da União. De acordo com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, não se trata de um decreto, mas de uma ‘exposição de motivos’.
O manual do emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi elaborado a partir de experiências adquiridas a Rio+20 e a ocupação do Complexo do Alemão. O documento determina que o uso de tropas federais ocorre em caráter excepcional, quando, por exemplo, foram esgotadas as estruturas de segurança pública estadual para proteger a população e o patrimônio.
A atuação da tropa tem que ser por tempo e espaço definidos, o que será estabelecido na publicação de Dilma. Nada, no entanto, impede que, vencido o prazo, a permanência seja estendida para nova data. No ano passado, o manual foi alvo de polêmica, o que resultou numa edição revisada no mês passado. A mudança ocorreu porque a primeira redação indicava que movimentos sociais poderiam ser considerados "forças oponentes".
Será a primeira vez que vai ocorrer o emprego das Forças Armadas após atualização no texto. Desta vez, a redação descreve Agentes de Perturbação da Ordem Pública, os APOPs, como pessoas ou grupos cuja “atuação momentaneamente comprometa a preservação da ordem pública ou ameace a incolumidade das pessoas e do patrimônio.”
Moradores têm medo de ficar no meio do fogo cruzado
Há apenas um mês, um morador do Parque União, no Complexo da Maré, ouviu um estouro por volta das 5h da manhã. Mais tarde, a mulher dele encontrou uma cápsula usada numa operação policial de combate ao tráfico. É exatamente esse tipo de situação que temem os moradores da região, às vésperas da chegada das tropas militares.
Diretor do Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva tem uma preocupação, compartilhada por boa parte dos moradores que se acostumou a conviver com tiroteios entre policiais e traficantes: o medo de ficar no meio do fogo cruzado.
“A gente não sabe o que pode acontecer quando se usa força militar em território urbano. Os soldados são preparados para a guerra, para enfrentar o inimigo e matar. A vida dos moradores precisa ser respeitada e não pode ser moeda de troca para combater a criminalidade”, comenta.
Jailson alerta para uma possível tentativa de fazer com que os moradores fiquem subordinados aos militares. “Esse controle de território deve ser feito para garantir a segurança. Não é para controlar os moradores”, adverte.
A comunicadora comunitária Renata Guilherme teme que as Forças Armadas não saibam lidar com os moradores. “Os militares foram treinados para a guerra. Será que vão saber lidar com a população?”, questiona.
X., um jovem de 16 anos que mora na Vila dos Pinheiros, teme que o Exército repita práticas que ele relata ter presenciado em operações policiais desde a infância.
“Quando começam a dar tiros, não dá pra ficar em pé. Todo mundo tem que se abaixar. A polícia, quando entra aqui, é para oprimir. Às vezes, não é nem um tiro. É um tapa na cara, um pé na porta, um xingamento... O medo é que isso volte a acontecer agora, com os militares na comunidade”, afirma X.
Entretanto, ele vê um lado positivo com a entrada do Exército: a possibilidade de circular por todas as favelas da região. “Aqui, tem traficantes de diferentes facções. Quem é da Baixa do Sapateiro não anda pela Nova Holanda. O Exército vai facilitar a circulação dos moradores. Mas isso não basta. A minha mãe tem 60 anos e precisa caminhar por 40 minutos para pegar um ônibus. A gente quer transporte público, calçadas asfaltadas e saneamento básico”, reivindica.
Projeto inspirado na ocupação do Alemão
A operação definida ontem foi traçada nos mesmos moldes da ocupação desencadeada em 2010 no Complexo do Alemão. Naquela ocasião, depois que a PM saiu, o Exército ocupou a área por dois anos, até a instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Hoje, a PM reunirá os chefes de quatro Comandos de Policiamento de Áreas (CPAs), para fechar os detalhes da ação.
Uma das principais diferenças é que na Maré não serão expedidos mandados de busca e apreensão coletivos. A experiência foi criticada no Alemão.
Especialistas ressaltam que a mudança de estratégia do governo do Rio, que foi pediu um auxílio e trouxe outro, não ficou clara. “Se não revelarem informações da iminência de uma guerra na Maré ou a necessidade da ocupação em momento de crise em outras áreas, pode dar a impressão de que é um instrumento eleitoral. A Rocinha e o Alemão estão próximos de perder o controle. E o reforço nestas áreas contribuiria para consolidar o projeto”, analisou o ex-capitão do Bope, Paulo Storani.
O conjunto de 15 favelas é dominado por duas facções criminosas e por milicianos, sendo a maior parte controlada pelo Terceiro Comando Puro (TCP), que não é a mesma quadrilha que predomina nas áreas em que as UPPs foram atacadas recentemente. O ministro informou que não há prazo para as tropas federais saírem e não descartou a ajuda a outras comunidades. “Do ponto de vista estratégico e tático, é fundamental. Temos um plano de segurança para a Copa e o Brasil está preparado”, explicou Cardozo.
Já para o governador, a estratégia pode estar ligada “direta ou indiretamente” aos ataques e a retomada da Maré beneficiará a competição de junho. “É próximo ao Aeroporto do Galeão e por lá passam as linhas Vermelha e Amarela e a Av. Brasil. A população não quer mais criminosos circulando como se a comunidade fosse território deles.”
Desde a semana passada, as polícias ocupam a Nova Holanda e o Parque União, na Maré; os morros do Chapadão, em Costa Barros, e Juramento, em Vicente de Carvalho.
Fonte> O Dia/montedo.com
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