Eduardo Castanheira Garrido*
Recentemente, surgiram questionamentos sobre o orçamento da Defesa e a sua distribuição entre despesas de pessoal, investimentos e custeio. Uma leitura da LOA 2016 demonstra que de um total de R$ 82 bilhões, cerca de R$ 10 bilhões são destinados a investimentos e outros R$ 10 bilhões para custeio, sendo o restante destinado ao pagamento de pessoal.
Todavia, uma consulta ao Boletim Estatístico do Pessoal de junho de 20161 mostra que o Poder Executivo, como um todo, teve despesas da ordem de R$ 203 bilhões com o pagamento de pessoal em 2015 (para um efetivo da ordem de 2.026.000, entre ativos, inativos, aposentados e pensionistas). Os militares representam 33% do universo e apenas 25% da despesa total realizada. Nesse contexto, torna-se importante destacar também que decisões tomadas ao longo da história recente do País criaram pensões especiais (ex-combatentes não militares, Lei da Praia, Lei da Borracha e anistiados políticos, entre outros) que fizeram aumentar os totais dispendidos nessa rubrica.
Instituições que têm na dimensão humana o seu maior capital (caso dos militares das Forças Armadas (FA), integrantes da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal) têm percentuais muito parecidos de gastos com pessoal (na faixa de 76 a 82% de seu gasto). Reforça esse entendimento o fato de as Forças Armadas serem instituições seculares e, por conta disso, trazerem inevitavelmente um arrasto de despesas com inativos e pensionistas que é significativo. Situação bem diferente de uma carreira recém-criada, que contará com poucos aposentados e pensionistas no seu orçamento.
Para as Forças Armadas, o principal investimento deve se concentrar exatamente na capacitação do profissional militar, em razão de um motivo que está diretamente relacionado às restrições orçamentárias que vem afligindo o orçamento da Pasta da Defesa ao longo dos últimos anos. Explica-se: ainda que não se disponha dos recursos suficientes para aquisição de equipamentos de Defesa na quantidade e qualidade desejáveis, mas se houver profissionais capacitados e motivados, em caso de necessidade de emprego real, e havendo recursos, é possível em um curto espaço de tempo adquirir-se o material e utilizá-lo convenientemente. Não se encontra um subtenente ou um major nas “prateleiras”. São necessários de 15 a 25 anos para formar esses recursos humanos específicos.
Cumpre ressaltar que o vencimento do profissional militar está muito abaixo do que é pago em outras carreiras de Estado, chegando ao ponto de a remuneração final de um coronel, após trinta anos de serviço, ser inferior ao salário inicial da maioria das carreiras de Estado que recebem sob a forma de subsídios.
Outros aspectos ajudam a melhor compreender o orçamento de Defesa. Se os números apontam um elevado percentual de gastos com pessoal, é porque estamos diante de um orçamento aquém das reais necessidades. Não é o volume de despesas com pessoal que é elevado, mas sim o volume de despesas com custeio e investimento que é muito baixo, devido à ausência de recursos.
Enquanto a média de gastos com Defesa, no mundo, é de 2,3% do PIB, no Brasil, não ultrapassou 1,5% desde a criação do Ministério da Defesa, sendo que o valor percentual médio aceitável é de 2%, conforme os padrões recomendados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Além de não atingir quaisquer dos índices apresentados, o Brasil fica atrás de quase todos os países da América do Sul, como Bolívia (1,6%), Chile (1,9%), Colômbia (3,5%), Equador (2,7%), Paraguai (1,6%), Peru (1,6%) e Uruguai (1,8%)2.
Se o orçamento de Defesa no País fosse de pelo menos 2% do PIB (abaixo da média dos países apresentados), os valores alocados seriam da ordem de R$ 118 bilhões, dos quais grande parte seria necessariamente destinada ao custeio e investimento, sendo as despesas com pessoal de aproximadamente 50% do total.
Dessa forma, no momento em que se discute a reforma da previdência como uma das soluções para a crise econômica do País, e embora os militares não estejam sujeitos a nenhum regime previdenciário, são preocupantes algumas declarações veiculadas na mídia, no sentido de se querer colocar todos os brasileiros sob um único sistema.
O risco de vida, os preceitos rígidos de hierarquia e disciplina, a dedicação integral e exclusiva, a disponibilidade permanente, o pronto emprego, a mobilidade geográfica, o vigor físico, a proibição de filiação a partidos políticos, a proibição de sindicalização e greves, o vínculo com a profissão e a supressão de direitos sociais (horas extras, adicional noturno, adicional de periculosidade, FGTS, entre outros) são características daqueles que voluntariamente optaram pelo serviço em prol da pátria e necessárias à garantia da existência e perpetuação das Forças Armadas para cumprir a sua missão constitucional intransferível de defesa da soberania da Nação.
Por fim, é uma constatação inequívoca que o patrimônio possível de se acumular ao longo da carreira de militar é muito inferior ao que ocorre para servidores das demais carreiras de Estado. Não existe hoje, por exemplo, a possibilidade de o militar acumular sua remuneração com um cargo de Direção e Assessoramento Superior (DAS), gratificações ou participação em conselho de estatais. Infelizmente, não há ainda o justo equilíbrio e a desejável isonomia entre a remuneração do militar e a dos servidores públicos, de uma maneira geral.
A mobilidade geográfica compulsória a que está sujeito o militar das Forças Armadas dificulta – quando não inviabiliza - que seu cônjuge possa se fixar em empregos e, assim, possibilitar a melhoria da renda familiar. Tal limitação impõe pesadas perdas para esse profissional, sobretudo na fase final de sua carreira, quando está prestes a ir para a reserva.
Não há como tratar igualmente os desiguais. Agir dessa maneira, além de injusta, pode ocasionar consequências danosas ao futuro do País, caso não se possa mais atrair e reter quadros capacitados, motivados e comprometidos com a defesa da Pátria.
* General da ativa do Exército1 – Boletim Estatístico de Pessoal. Disponível aqui.
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